
- Buffett reduziu participação na Apple antes da nova guerra tarifária entre EUA e China
- Apple enfrenta dificuldades para migrar sua produção da China para a Índia
- Venda de ações e aumento do caixa da Berkshire sinalizam postura cautelosa de Buffett
Warren Buffett mais uma vez provou porque é chamado de “Oráculo de Omaha”. Antes mesmo de Donald Trump reacender a guerra comercial com a China, o megainvestidor reduziu de forma significativa sua participação na Apple, a maior posição da Berkshire Hathaway.
Por sorte, instinto ou uma visão estratégica afiada, Buffett evitou os prejuízos que poderiam atingir a empresa de tecnologia diante das novas tarifas americanas.
Buffett manteve ao longo dos anos um relacionamento curioso com a Apple. Antes de ser acionista, já aconselhava Steve Jobs sobre o destino do excesso de caixa da empresa.
Na época, sugeriu a realização de recompras de ações, algo que só aconteceu sob a gestão de Tim Cook, que implementou um programa bilionário de buybacks. Quando a Berkshire Hathaway comprou mais de US$ 1 bilhão em ações da Apple em 2016, poucos imaginavam que, anos depois, a empresa de Cupertino se tornaria o principal ativo da carteira do conglomerado.
Posição na Apple
Apesar do histórico positivo, Buffett decidiu reduzir a posição na Apple no final de 2024, sem fornecer uma justificativa direta em sua carta anual aos acionistas. No entanto, analistas do mercado indicam possíveis razões.
Segundo Guilherme Novello, da WHG, a Apple passou a ser negociada a múltiplos elevados, considerados caros para o padrão de Buffett, que tradicionalmente busca empresas com valor intrínseco atrativo.
“Hoje, a Apple não está mais barata. Ela é negociada num múltiplo ‘rico’ e muita gente avalia que está num preço bem acima do que deveria ser negociado”, afirma Novello.
“Com isso, há um ganho de preço por lucro da ordem de 3% a 4%. A empresa pode vender a mesma coisa de um ano para o outro, mas como comprou muita ação, você tem um pedaço maior do lucro relacionado à recompra [de ações]”, diz o sócio.
Além disso, embora a Apple continue recomprando suas próprias ações para impulsionar lucros por ação, o potencial de valorização futura estaria mais limitado.
Outro fator crucial para a decisão foi o cenário geopolítico. O recrudescimento da guerra tarifária entre Estados Unidos e China ameaça diretamente a cadeia de produção da Apple.
Historicamente, a empresa construiu uma infraestrutura industrial altamente complexa e integrada na China, essencial para a produção de seus produtos, especialmente o iPhone.
Conforme Pedro Oiticica, da Nextep, essa relação simbiótica é difícil de romper, tornando qualquer transição para outros países, como a Índia, um processo caro e arriscado.
“Desde que o iPhone foi lançado, a Apple tem uma relação simbiótica com a manufatura chinesa”, afirma Pedro Oiticica.
“Ao longo da última década e meia, a Apple não estava só terceirizando produção na China. Ela de fato construiu uma operação de suprimentos e manufaturas que é super complexa, profunda, e difícil de ser separada”.
“Seria devastador para as margens e modificaria profundamente o perfil de lucratividade da empresa”, diz Oiticia.
Alerta dos especialistas
Na tentativa de reduzir essa dependência, a Apple intensificou esforços para transferir parte da montagem dos iPhones destinados ao mercado americano para fábricas indianas.
Segundo reportagem recente do Financial Times, essa migração pode começar já no próximo ano. No entanto, especialistas alertam que replicar a escala, a eficiência e a expertise chinesa em outro país não será simples nem rápido.
O movimento de Buffett, portanto, não foi apenas uma questão de múltiplos financeiros. Foi também uma leitura aguda dos riscos sistêmicos envolvidos na operação da Apple em um ambiente de tensões comerciais crescentes.
Caso as tarifas fossem aplicadas sobre os produtos da empresa, os custos de produção poderiam saltar cerca de 30%. Assim, o que afetaria drasticamente suas margens de lucro e sua competitividade global.
A estratégia da Berkshire Hathaway, que também envolveu cortes de participação em bancos como Bank of America, Citigroup e Nu Holdings, elevou seu caixa a um nível recorde de US$ 334,2 bilhões. Buffett, no entanto, deixou claro que pretende manter boa parte desses recursos disponível para oportunidades futuras. Sugerindo, assim, que vê o atual momento como propício à cautela, e não à tomada de riscos.
Com essa jogada antecipada, Buffett mais uma vez consolidou sua reputação como um investidor que sabe se mover antes que as tempestades desabem. Para o mercado, fica o lembrete: quando o “Oráculo” começa a vender, é prudente prestar atenção.