- ADRs brasileiros atingem 61% da liquidez da B3 em 2025, maior nível desde 2015.
- Cinco empresas já têm mais negociação em Nova York que no Brasil, incluindo Petrobras e Vale.
- Apenas 25 papéis concentram 99,9% da liquidez da B3, sinalizando fragilidade estrutural.
A B3, que já foi símbolo de crescimento entre mercados emergentes, vê em 2025 sua liquidez ser engolida silenciosamente pela movimentação de ADRs (American Depositary Receipts) negociados nos Estados Unidos. Até 30 de maio deste ano, os papéis brasileiros listados em Nova York movimentaram o equivalente a 61% do volume médio diário do mercado à vista da B3. É o maior percentual desde 2015, quando essa relação chegou a 62%.
Esse avanço, que parece técnico à primeira vista, revela algo muito mais profundo. Indica uma transferência real da atenção e dos recursos do investidor global, que, diante da instabilidade brasileira, prefere operar em praças com regras mais claras, liquidez maior e riscos reduzidos.
Tendência se inverte com força
Nos últimos 15 anos, a relação entre ADRs e ações locais variou bastante. Em 2010, auge do entusiasmo com os BRICs, os papéis negociados nos EUA quase igualaram os volumes da B3, atingindo 92%. Já em 2020, com os estímulos domésticos durante a pandemia, a balança virou: apenas 29% dos negócios ocorriam via ADRs.
Mas esse alívio foi passageiro. Desde então, a liquidez na B3 caiu de US$ 5,29 bilhões por dia em 2021 para US$ 3,32 bilhões em 2025. Enquanto isso, o apetite por ADRs subiu: de US$ 1,49 bilhão ao dia em 2023 para US$ 2,03 bilhões em 2025. A diferença mostra que a escolha do investidor estrangeiro — e parte dos locais — já está feita.
Essa preferência não se explica apenas pela conjuntura nacional. A bolsa americana oferece estabilidade cambial, transparência regulatória e profundidade de mercado. Para quem busca previsibilidade, Nova York é o porto seguro — especialmente quando o cenário brasileiro é turvo.
ADRs dominam liquidez de gigantes
A supremacia dos ADRs sobre ações locais se vê com clareza nos dados individuais. Em 2025, cinco empresas brasileiras já movimentam mais em Nova York do que na própria B3. O caso mais extremo é o da Petrobras PN, cujo ADR (PBR.A) tem uma liquidez 3,73 vezes maior. Em seguida, estão Vale ON (1,31 vez), Itaú PN (1,10 vez), Bradesco PN e Embraer ON.
No total, 15 ADRs já superam a marca de 25% do volume correspondente em ações brasileiras, como mostram os dados obtidos até 30 de maio. Entre os destaques estão nomes como Gerdau, Suzano, Ambev e Azul. Essa movimentação indica que manter listagem em Nova York deixou de ser um luxo e virou uma estratégia de sobrevivência para quem deseja acesso a capital global.
Além disso, o volume de negociação está cada vez mais concentrado. Apenas 25 papéis — sendo 10 ADRs e 15 ações locais — concentram 99,9% de toda a liquidez da B3. Isso inclui nomes como Nubank (líder absoluto com US$ 613,9 milhões por dia), Vale e Petrobras.
Oportunidade ou sintoma de fraqueza?
Listar ADRs tem vantagens: atrai investidores institucionais, amplia a base acionária e dá visibilidade internacional. No entanto, não é um caminho livre de obstáculos. Custos de compliance, exposição jurídica e exigências da SEC podem pesar sobre empresas menores ou com foco regional.
Ainda assim, com a liquidez da B3 em queda e a concentração crescente em poucos papéis, os ADRs funcionam como válvula de escape — e, em alguns casos, como trampolim para a internacionalização. Para o investidor, contudo, o encolhimento da B3 sinaliza um problema maior: a perda de relevância do mercado local.
Desse modo, a migração de liquidez não é apenas uma estatística — é um reflexo do desalinhamento entre Brasil e capital global. Portanto, o risco não está apenas em perder volume, mas em se tornar irrelevante em um cenário que exige reinvenção constante.