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Já se passaram pouco mais de 12 meses desde o fatídico 11 de janeiro de 2023, dia em que foi divulgado o balanço da Americanas (AMER3), cujo rombo, até aquele momento, era de R$ 20 bilhões. Comunicado como fato relevante assinado pelo então presidente da companhia, Sérgio Rial, e pelo diretor de relações com investidores, André Covre, o valor envolvido pegou todo o mercado de surpresa. Era muito dinheiro envolvido, não dava para acreditar em simples “prejuízo causado por má gestão”.
Realmente não se trata de má gestão no sentido de incompetência. Tratava-se de má gestão no pior sentido do termo, ou seja, fraude contábil que vinha acontecendo há anos. Não demorou para vir à tona que o rombo era muito maior do que o divulgado, superando os R$ 40 bilhões. Até grandes bancos como Bradesco, um dos maiores credores, deram uma balançada diante da notícia. Rial, que havia assumido a presidência no dia 2 de janeiro pediu demissão assim que o anúncio foi feito. Covre fez o mesmo.
O pior de tudo é que milhares de acionistas foram imensamente prejudicados. Principalmente os minoritários, na maioria pequenos investidores, que confiaram nos balanços anteriores, todos auditados por grandes empresas independentes de auditoria. Em um único dia, as ações da Americanas caíram mais de 77%. Foi assim: a ação da varejista fechou o pregão do dia 11 de janeiro de 2023 valendo R$ 12 e abriu no dia seguinte valendo R$ 2,80. Ao final do pregão do dia 12 havia caído um pouco mais, para R$ 2,72. Exatamente um ano depois, em 11 de janeiro de 2024, a ação fechou o dia cotada em R$ 0,79. No dia 25 de janeiro estava em R$ 0,80.
Imagine você aplicar R$ 100 mil e de um dia para o outro ter perdido quase 80% do que investiu. Pense que a maioria desses milhares de acionistas perderam o dinheiro acumulado durante quase uma vida inteira. E que eles investiram seus recursos na Americanas porque confiavam piamente na veracidade das informações financeiras da empresa divulgadas ao mercado. Ninguém teria colocado dinheiro em papéis da varejista se houvesse transparência e honestidade na divulgação de resultados.
O episódio entrou definitivamente para a história como o maior escândalo financeiro do mercado de capitais brasileiro e, claro, como já foi dito, gerou prejuízo para muita gente. Mas, se é que podemos dizer assim, a fraude traz lições úteis para o amadurecimento das pessoas quando o assunto é investir. O brasileiro é pouco informado e não raramente toma decisões seguindo a moda ou algum movimento de manada. E que lições são essas? Vou pontuar algumas e, sinceramente, espero que elas estejam muito claras nas mentes daqueles que foram prejudicados. E que sirvam de alerta para quem não foi ou para aqueles que só agora voltaram seus olhos para a Bolsa de Valores.
Primeira lição
As regras do mercado de capitais e os mecanismos de fiscalização das companhias de capital aberto são falhos. R$ 40 bilhões não são R$ 40. É muito dinheiro para que nunca alguém tenha percebido que havia algo errado. Por esta razão, não devemos confiar piamente nos dados que nos apresentam. Passou da hora de os players se juntarem para debaterem a criação de novos e mais eficientes mecanismos fiscalizatórios.
Segunda lição
As auditorias independentes não são tão independentes assim. Nem confiáveis. Como são pagas pela própria companhia que está sendo auditada, elas podem ser pressionadas a confirmarem como verdadeiro um balanço que foi fraudado, sob o risco de serem substituídas por uma concorrente. Isso não acontece apenas em balanços financeiros. Quem acompanhou o caso do rompimento da barragem de Brumadinho, pertencente à Vale, vai se lembrar que a auditoria contratada para verificar os riscos da barragem foi obrigada a omitir os problemas. Então, uma auditoria assinar embaixo não quer dizer muita coisa. Este modelo também precisa ser modificado.
Terceira lição
A B3 separa as companhias em grupos distintos. A Americanas, por exemplo, pertencia ao chamado “Novo Mercado”, formado por empresas com excelência em gestão. Só o fato de ela estar nesse grupo já era o suficiente para muita gente acreditar que estava fazendo um bom negócio investindo em papéis da varejista. Mas agora sabemos que não podemos nos deixar levar por esses falsos “títulos”. É possível que a B3 nem ao menos conte com mecanismos próprios de auditoria capazes de averiguar se as empresas desse grupo realmente merecem estar ali.
Quarta lição
Quem perdeu dinheiro aprendeu da pior forma que não há a quem recorrer. O sistema de arbitragem é caro e por isso mesmo acessível apenas por grandes investidores, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Está aí outro mecanismo que tem de ser alterado. Enquanto isso não acontece, os minoritários devem sempre se manter unidos e buscar ajuda de escritórios de advogados ou de entidades que atuam em prol de seus interesses.
Quinta lição
Não se deve entrar no mercado de renda variável sem o mínimo conhecimento. Bolsa de Valores não é como Poupança ou Título do Tesouro onde a gente aporta dinheiro e espera o momento certo para retirar o capital acrescido de juros. Então, é preciso aprender sobre o funcionamento do mercado. Até porque, com alguma noção dá para perceber se o “especialista” da corretora está ou não empurrando produtos financeiros ruins para o cliente.
Sexta lição
O investir tem um exemplo prático de que não se deve colocar todo o capital em apenas um ou em poucos ativos financeiros. Uma pessoa que tinha R$ 100 mil na Poupança ou Título do Tesouro, sacou e colocou em ações da Americanas, perdeu praticamente tudo o que havia juntado. Se tivesse distribuído o dinheiro em diversos ativos, o prejuízo seria de poucas frações. Mas se diversificar é um problema por causa da desconfiança ou falta de entendimento do mercado, então o melhor a fazer é não sair da renda fixa.
Sétima lição
Todo investimento no mercado financeiro tem risco. Até mesmo em renda fixa. Mas alguns produtos financeiros, principalmente aqueles atrelados a dívidas de empresas tendem a ser os piores. Fugir deles, principalmente naqueles anos em que a economia não está caminhando bem – quase sempre -, é uma atitude inteligente para quem não tem experiência.
Por Rafael Mortari, sócio do escritório Mortari Bolico Advogados
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