- Índígenas, analfabetos, doentes e moradores de áreas remotas foram enganados
- Descontos indevidos envolviam falsas associações e entidades sindicais
- Investigação mira responsabilidades dentro e fora do INSS
A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) revelaram detalhes estarrecedores sobre um dos maiores esquemas de fraude contra aposentados no Brasil.
A investigação aponta que o golpe, que envolveu descontos indevidos em benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), teve como principal alvo pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, incapazes de se defender ou sequer compreender o que estava acontecendo.
População vulnerável
Segundo trecho do relatório que embasa o inquérito, os criminosos miraram populações com pouca ou nenhuma capacidade de reação: moradores de zonas rurais de difícil acesso, indígenas analfabetos, doentes em estado grave e com mobilidade comprometida, pessoas com deficiência e até beneficiários que vivem fora do país.
O documento, baseado em entrevistas conduzidas por auditores da CGU durante a força-tarefa que percorreu diversas regiões do Brasil, indica que os autores da fraude se aproveitaram justamente da condição de invisibilidade dessas vítimas para agir com impunidade.
“São pessoas que vivem isoladas, sem acesso a informações, que não conseguem se deslocar até uma agência do INSS ou mesmo entender a natureza dos descontos feitos em seus benefícios. Em muitos casos, sequer sabiam que estavam filiados a alguma associação ou sindicato”, afirmou um dos investigadores.
Essas associações, de acordo com os investigadores, funcionavam como canais fraudulentos para debitar valores mensais diretamente dos pagamentos dos aposentados e pensionistas. Muitas vezes, os descontos apareciam como filiações a entidades que as vítimas jamais conheceram ou autorizaram.
Falsas entidades
A rede atuava em diversas frentes, contando com a conivência de funcionários públicos, advogados, operadores locais e representantes de falsas entidades sindicais e associativas. As fraudes se alastraram por estados das regiões Norte e Nordeste, com especial concentração em locais de difícil acesso, onde a fiscalização é precária e a população, desassistida.
A PF também investiga se houve falhas ou conivência dentro do próprio INSS, o que pode ter facilitado a continuidade dos golpes ao longo de anos. O prejuízo estimado já ultrapassa a casa dos bilhões de reais, com milhares de vítimas mapeadas até o momento.
Os depoimentos colhidos até agora relatam situações dramáticas. Um dos entrevistados, um indígena do Norte do país, declarou nunca ter assinado qualquer documento ou consentido com filiação a nenhuma associação. Ainda assim, R$ 30 eram descontados todos os meses de seu benefício.
Outro caso envolveu uma senhora acamada, com diagnóstico de doença neurodegenerativa, que perdeu mais de R$ 1.000 ao longo de três anos.
“Ela sequer sabia que havia descontos, pois não tem acesso ao extrato bancário nem familiares próximos que pudessem ajudá-la”, diz um trecho do relatório.
A CGU recomendou uma revisão rigorosa em todos os contratos de consignação ativa no INSS e o fortalecimento da fiscalização para impedir que novos golpes desse tipo ocorram. Além disso, o Ministério da Previdência estuda novas medidas para garantir que apenas o beneficiário, com autenticação digital ou biométrica, possa autorizar descontos futuros.
A investigação segue em sigilo, mas a PF já adiantou que novas fases da operação serão deflagradas nas próximas semanas. E podem, portanto, atingir agentes públicos de alto escalão. As associações fraudulentas devem responder por estelionato qualificado, organização criminosa, falsidade ideológica e violação de direitos humanos.