
- Mujica liderou reformas históricas como a legalização do aborto, casamento homoafetivo e maconha — colocando o Uruguai à frente em direitos civis na América Latina.
- Recusou luxos do cargo, viveu com modéstia e doou seu salário, tornando-se exemplo de coerência entre discurso e prática.
- De guerrilheiro preso sob tortura a presidente aclamado, Mujica transformou a dor em ação e liderou com empatia até o fim da vida.
Faleceu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai. Ele morreu em sua chácara em Rincón del Cerro, zona rural de Montevidéu, onde vivia ao lado da esposa e companheira política, Lucía Topolansky. Desde 2023, Mujica lutava contra um câncer de esôfago, que se agravou ao atingir o fígado. Em janeiro, decidiu interromper os tratamentos e seguir com cuidados paliativos.
A morte foi confirmada pelo presidente uruguaio Yamandú Orsi, aliado político de Mujica. “Ele nos deixou, mas sua forma de viver e fazer política continua entre nós”, declarou. Líderes latino-americanos também prestaram homenagens ao ex-presidente, que conquistou respeito muito além das fronteiras do Uruguai.
Da prisão à presidência: uma história de luta
A trajetória de Mujica começou fora dos palácios. Nascido em 1935, em Montevidéu, ele ingressou ainda jovem no grupo guerrilheiro Tupamaros, que atuava contra a repressão e a desigualdade durante os anos 1960. Preso após o golpe militar, passou quase 15 anos na cadeia — parte deles em solitária, sob condições desumanas. Ainda assim, resistiu física e emocionalmente.
Com a redemocratização, abandonou a luta armada e ajudou a fundar o Movimento de Participação Popular (MPP), inserido na coalizão de esquerda Frente Ampla. A partir dos anos 1990, foi eleito deputado e depois senador. Entre 2005 e 2008, ocupou o Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca. Em 2010, chegou à presidência da República, com ampla aprovação popular.
Portanto, ao longo do caminho, Mujica consolidou uma liderança que unia firmeza de princípios, modéstia no estilo de vida e um discurso sempre voltado para os mais pobres.
Reformas progressistas e estilo de vida incomum
Durante seu governo (2010–2015), Mujica aprovou três reformas sociais que tornaram o Uruguai referência internacional. Ele legalizou o aborto, permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo e regulamentou o mercado da maconha, sob controle estatal. Essas medidas enfrentaram críticas, mas foram implementadas com diálogo e foco na saúde pública.
Ao mesmo tempo, seu modo de viver atraía atenção global. Recusou morar na residência presidencial e permaneceu em sua casa simples, cercado por árvores e animais. Doava a maior parte de seu salário para projetos sociais e dirigia um Fusca azul, que se transformou em símbolo de autenticidade.
Desse modo, esse conjunto de ações fez de Mujica um exemplo raro de coerência entre discurso e prática. Ganhou destaque em fóruns internacionais e virou referência para movimentos sociais e líderes de diferentes continentes.
Últimos anos e despedida de um símbolo
Após deixar a presidência, Mujica retornou ao Senado. Em 2020, no entanto, anunciou sua aposentadoria da vida política, citando o cansaço das polarizações e sua saúde frágil. Apesar disso, manteve presença pública e, em 2024, apoiou Yamandú Orsi nas eleições presidenciais, confirmando sua influência viva na Frente Ampla.
Mesmo debilitado, seguia se pronunciando sobre temas essenciais, como mudanças climáticas, desigualdade e ética pública. Em suas últimas entrevistas, reforçava que “a vida é para servir aos outros”, ensinamento que acompanhou todas as suas ações políticas.
A morte de Pepe Mujica encerra uma era. Sua figura deixa um vazio simbólico na América Latina, onde escasseiam líderes que unam simplicidade, coragem e compromisso com o bem comum. No entanto, seu legado permanece vivo, não só nas reformas que liderou, mas no exemplo cotidiano de quem provou que é possível viver de forma justa — mesmo no poder.