
- Quase metade dos brasileiros adultos faz “bicos” para complementar o salário.
- A diferença entre o salário mínimo (R$ 1.518) e o ideal (R$ 7.638) evidencia a pressão econômica.
- Inflação, desemprego e desigualdade impulsionam o crescimento da informalidade.
A cada dois brasileiros em idade ativa, um precisa recorrer aos “bicos” para fechar o mês. Essa é a realidade de quase 50 milhões de trabalhadores com 16 anos ou mais, que buscam atividades extras, fora do horário convencional ou aos fins de semana, como forma de sobreviver à escalada de preços. Em 2025, mesmo com alguma formalização no mercado de trabalho, os ganhos principais não estão sendo suficientes para sustentar sequer as necessidades básicas das famílias.
Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo atual é de R$ 1.518. Entretanto, o valor considerado necessário para garantir dignidade a uma família de quatro pessoas é mais de cinco vezes maior: R$ 7.638. Esse abismo explica por que tantos brasileiros estão recorrendo a alternativas informais para manter as contas em dia.
Inflação crescente pressiona o bolso
Apesar de uma leve recuperação na economia, a inflação acumulada até abril foi de 5,53%, conforme o IBGE. O aumento do custo de vida afeta não só os produtos alimentares, mas também energia elétrica, combustíveis, transporte e saúde. Em consequência disso, o poder de compra do salário encolheu nos últimos meses, agravando ainda mais a dependência de rendas paralelas.
Além disso, a alta nos preços tem sido mais dura para os que ganham menos. Com poucos mecanismos de proteção econômica, esses trabalhadores são forçados a optar entre o básico: comida, aluguel ou remédios. Nessa lógica, os “bicos” — como vendas online, motoristas de aplicativo ou serviços autônomos — se tornaram uma estratégia de sobrevivência.
Embora o governo federal tenha mantido a política de valorização do salário mínimo, o ajuste não tem acompanhado a realidade dos preços praticados no país. Sem alívio imediato, o brasileiro tenta compensar no esforço dobrado.
Desemprego, subutilização e informalidade
Outro fator que empurra a população para o mercado informal é a limitação das vagas de emprego com carteira assinada. A taxa de desemprego subiu para 7% no primeiro trimestre de 2025, segundo a Pnad Contínua. Embora esse número seja o menor para o período desde 2015, ele esconde um dado mais preocupante: a taxa de subutilização da força de trabalho está em 15,9%.
Esse índice reúne brasileiros que gostariam de trabalhar mais horas, mas não conseguem. Muitos atuam em postos precários, com rendimentos baixos ou sem direitos trabalhistas. Portanto, é nesse grupo que os “bicos” aparecem como complemento, e, em muitos casos, como única fonte de renda.
A informalidade atinge quase 40% dos trabalhadores brasileiros. Isso significa que milhões de pessoas estão fora da proteção previdenciária, sem garantias como aposentadoria, licença médica ou férias remuneradas. Em vez de opção, o “bico” virou regra para sobreviver em um cenário instável.
Desigualdade estrutural persiste
O aumento da renda média em 2024 não foi suficiente para reduzir as distorções sociais. Dados do IBGE mostram que os 10% mais ricos ganham 13,4 vezes mais do que os 40% mais pobres. Ou seja, o crescimento econômico tem beneficiado apenas parte da população, deixando a maioria com pouco ou nenhum avanço.
Nesse contexto, programas de transferência de renda continuam sendo um alívio, mas não resolvem o desequilíbrio estrutural. O Brasil ainda carece de políticas públicas que promovam geração de empregos de qualidade, capacitação profissional e distribuição justa da riqueza.
Enquanto isso, milhões seguem tentando equilibrar pratos, conciliando dois, às vezes três empregos informais para pagar o básico. E o futuro, para muitos, parece cada vez mais distante de qualquer estabilidade.