
- Déficit em conta corrente atinge US$ 2,245 bilhões em março, maior valor para o mês desde 2020.
- Alta nas remessas de lucros e juros pressionou as contas externas, apesar do superávit comercial.
- País precisa fortalecer investimento produtivo e reduzir dependência de capitais de curto prazo para sustentar estabilidade externa.
O Brasil registrou um déficit de US$ 2,245 bilhões em sua conta corrente em março de 2025, segundo o Banco Central. O resultado, o pior para o mês desde 2020, reflete o impacto do aumento de remessas de lucros e juros ao exterior, que superou o saldo positivo da balança comercial. Apesar de fatores sazonais explicarem parte do movimento, o dado acende sinal de alerta para a sustentabilidade do financiamento externo do país a médio prazo.
O resultado oficial e seus principais vetores
Em março, o déficit em conta corrente do Brasil alcançou US$ 2,245 bilhões, informou o Banco Central nesta segunda-feira (28). O valor representa aumento expressivo em relação ao déficit registrado em março de 2024, que foi de US$ 15,8 bilhões. Segundo a autoridade monetária, o saldo negativo foi influenciado principalmente pelo aumento das remessas de lucros e dividendos por multinacionais.
Apesar de a balança comercial ter apresentado superávit robusto no período, com exportações superando importações, esse resultado não foi suficiente para compensar a alta nos pagamentos ao exterior. As despesas líquidas com rendas primárias, como juros e dividendos, subiram significativamente, intensificando o rombo nas contas externas.
Outro ponto destacado pelo Banco Central é que o déficit em conta corrente acumulado em 12 meses atingiu 2,7% do PIB. Esse patamar, embora ainda administrável, indica uma deterioração progressiva do quadro externo, especialmente em um cenário de juros elevados no mundo e aumento da aversão a risco em mercados emergentes.
Analisando além dos números: um novo desafio estrutural
Embora fatores sazonais, como o calendário de remessas de lucros, expliquem parte do déficit, a composição do resultado levanta preocupações adicionais.
O Brasil volta a apresentar dificuldades para equilibrar suas contas externas sem depender exclusivamente de fluxos de capital de curto prazo.
Enquanto as exportações de commodities seguem elevadas, a crescente dependência de investimentos de portfólio — ou seja, aplicações em Bolsa e renda fixa — torna o país vulnerável. Esses recursos podem sair rapidamente diante de choques externos, como mudanças de política monetária nos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, o investimento direto no país (IDP), geralmente mais estável e de longo prazo, tem mostrado ritmo mais fraco em 2025 em relação a anos anteriores. O IDP ficou em US$ 6,5 bilhões em março, abaixo do necessário para cobrir o déficit do mês.
Assim, surge um novo alerta: não basta apenas o Brasil manter superávits comerciais robustos. É fundamental reverter o processo de deterioração das contas de rendas primárias e atrair investimentos mais sólidos e produtivos para garantir a sustentabilidade externa a longo prazo.
Contexto histórico e comparações recentes
O déficit de US$ 22,45 bilhões em março é o pior resultado mensal desde maio de 2020, auge dos impactos da pandemia de Covid-19. Naquele momento, porém, a crise sanitária e o fechamento global explicavam o colapso nas contas externas. Hoje, a situação é diferente: o mundo opera em relativa normalidade, mas a pressão sobre o Brasil decorre de fatores estruturais internos.
Comparando com outros emergentes, o Brasil ainda mantém déficit de conta corrente menor, em termos proporcionais, que países como Turquia e Argentina. No entanto, fica atrás de economias asiáticas que, além de superávits comerciais, conseguem manter contas de serviços e rendas mais equilibradas.
Em meio a esse cenário, as perspectivas para 2025 e 2026 exigem cautela. Sem reformas que aumentem a produtividade interna e a competitividade do setor de serviços, o risco é de que déficits recorrentes aumentem a vulnerabilidade externa em períodos de choques internacionais.