
- Viagem de Lula à Rússia gera críticas e questionamentos sobre alinhamento com autocracias
- Especialistas apontam perda de influência internacional e incoerência com discurso pró-democracia
- Importações brasileiras de diesel russo disparam, enquanto neutralidade do Brasil na guerra é posta em xeque
A presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na parada militar em Moscou, realizada para celebrar os 80 anos da vitória soviética sobre o nazismo, gerou forte repercussão negativa dentro e fora do Brasil.
Convidado por Vladimir Putin, Lula se sentou na Praça Vermelha ao lado de líderes autocráticos, como Alexander Lukashenko, da Bielorrússia, e Abdel Fattah al-Sisi, do Egito. Contudo, um gesto que, segundo especialistas, contradiz o discurso pró-democracia que o próprio presidente brasileiro tem promovido desde que assumiu seu terceiro mandato.
Internacionalmente, a viagem foi mal recebida. Sem citar diretamente o Brasil, o primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, afirmou que “todos que aplaudiram Putin deveriam se envergonhar”.
Na visão do professor de Relações Internacionais da UFF e pesquisador da Universidade Harvard, Vitelio Brustolin, a presença de Lula em Moscou foi “desnecessária” e prejudicou a imagem do Brasil como possível mediador de paz no conflito entre Rússia e Ucrânia. Ele também criticou o fato de o presidente não ter aceitado o convite para visitar Kiev. Dessa forrma, o que, segundo ele, compromete a neutralidade brasileira.
Justificativa
Apesar de Lula justificar a viagem com a intenção de fortalecer laços econômicos com a Rússia, os ganhos para o Brasil são questionáveis. Em 2023, o Brasil aumentou em 9.000% a importação de óleo diesel russo. Ainda, sendo um dos maiores compradores do produto, o que, na visão de Brustolin, transforma o país em “financiador indireto” da guerra de agressão russa.
A retórica brasileira de que apoia a soberania da Ucrânia, mas rejeita o envio de armas ao país invadido, também foi criticada como contraditória.
Além da perda de prestígio internacional, a viagem resultou em obstáculos diplomáticos práticos. Países como Estônia, Letônia e Lituânia recusaram o sobrevoo do avião presidencial brasileiro em resposta à ida de Lula à Rússia. Dessa forma, sinalizando desconforto com a escolha do Brasil de se alinhar, ainda que simbolicamente, com o agressor em uma guerra que segue sem trégua.
Postura firme?
Brustolin ressaltou que o Itamaraty tem mantido, desde o início do conflito, uma postura firme contra a invasão russa nas votações da ONU. No entanto, essa diplomacia profissional contrasta com o que ele chama de “diplomacia personalista”. Contudo, praticada por Lula e seu assessor Celso Amorim, cujas ações minam o prestígio e a coerência da política externa brasileira.
A participação de Lula no evento do dia 9 de maio também pode comprometer a posição do Brasil no diálogo global sobre a paz na Ucrânia. Para o especialista, a imagem de um Brasil neutro e defensor da paz está sob ameaça. E, a associação direta com Putin em um evento militar propagandístico pode ser a “pá de cal” nas ambições do país de atuar como interlocutor confiável em futuras negociações.
Críticas e ausência
Além disso, Lula também recebeu críticas pela ausência em eventos que homenageariam os soldados brasileiros mortos na Segunda Guerra Mundial na Itália. A viagem, que poderia ser uma ponte entre passado e presente no compromisso com a democracia, acabou se tornando um símbolo de contradição e isolamento diplomático.
No plano interno, a incoerência entre o discurso contra golpes e a associação com líderes acusados de crimes de guerra gera desconforto até entre aliados. A crítica do professor Brustolin vai além da política partidária:
“Não é uma questão de esquerda ou direita, é uma questão de princípios”, afirmou.
Ele ainda destacou a disparidade de tratamento que o governo Lula dá à guerra na Ucrânia em comparação com os ataques de Israel à Faixa de Gaza. Dessa forma, reforçando a percepção internacional de que o Brasil adota “dois pesos e duas medidas”.
O impacto da visita pode ressoar por muito tempo na diplomacia brasileira. Especialmente, em um momento em que o Brasil se prepara para presidir o Brics em 2025.
A presença ou ausência de Putin no encontro do grupo será, segundo analistas, mais um termômetro da relevância e da credibilidade do Brasil em fóruns internacionais nos próximos anos.