Impacto das bets

O boom das apostas esportivas: quanto os clubes ganham (ou perdem) com isso?

Patrocínios de casas de apostas geram milhões, mas acendem alerta sobre riscos éticos e dependência econômica.

Crédito: Depositphotos
Crédito: Depositphotos
  • Explosão dos patrocínios de casas de apostas entre os clubes da Série A, com impactos positivos nas finanças.
  • Crescentes riscos éticos, legais e sociais ligados à dependência econômica das bets.
  • Debate sobre regulação no Brasil frente a modelos mais restritivos adotados no exterior.

Com a regulamentação das apostas esportivas no Brasil, clubes da Série A passaram a ter receitas milionárias com patrocínios de bettings. No entanto, especialistas alertam para os riscos de dependência financeira, escândalos de manipulação e desafios éticos para a integridade do futebol nacional.

O jogo mudou

Desde a regulamentação oficial das apostas esportivas no Brasil, aprovada em 2023 e ampliada em 2024, o futebol nacional vive uma transformação financeira. As casas de apostas dominam os patrocínios da Série A do Brasileirão. Elas ocupam camisas, placas publicitárias e canais digitais dos clubes. Em 2025, 18 dos 20 times da elite mantêm contratos com empresas do setor. Essa presença configura um domínio inédito no cenário esportivo brasileiro.

O Flamengo, por exemplo, renovou com a Pixbet um patrocínio que supera R$ 85 milhões anuais, valor superior ao que muitos clubes arrecadam com direitos de transmissão. Já o Corinthians, que também mantém contrato com a Vai de Bet, tem em sua camisa um acordo estimado em mais de R$ 100 milhões, incluindo bônus por engajamento nas redes sociais. Este cenário revela um novo eixo de sustentação para o futebol profissional, mas também traz desafios complexos à tona.

Enquanto os clubes comemoram o aporte imediato, cresce o debate sobre a sustentabilidade desse modelo no médio e longo prazo. A presença massiva das bettings levanta discussões sobre o impacto cultural, social e esportivo dessa nova realidade — algo que, embora vantajoso à primeira vista, pode carregar efeitos colaterais preocupantes.

O impacto nas finanças dos clubes

Com a entrada das casas de apostas no futebol, os clubes viram suas receitas de marketing dispararem. Estima-se que, atualmente, as empresas de apostas injetem entre R$ 1,2 e R$ 1,5 bilhão por ano no futebol brasileiro, considerando patrocínios máster, naming rights e campanhas promocionais. Só em 2024, a média de contratos dos clubes da Série A com empresas de betting ficou entre R$ 25 e R$ 35 milhões por clube.

Comparado a outras fontes de receita, o crescimento é expressivo. Enquanto os direitos de TV vêm sendo renegociados com valores estáveis e as bilheterias variam conforme desempenho em campo, o marketing digital impulsionado pelas apostas gerou uma nova categoria de arrecadação contínua e previsível. Em alguns casos, como o do Atlético-MG, as bettings representam 40% da receita total do departamento de futebol.

No entanto, a dependência excessiva desse setor preocupa executivos e analistas. O Grêmio, por exemplo, mantém cinco contratos ativos com empresas de apostas, algo que, embora financeiramente positivo, limita a diversidade de patrocinadores e concentra riscos em uma única indústria, altamente regulada e sujeita a mudanças legais abruptas.

Os riscos e os dilemas

A consolidação das apostas esportivas no futebol brasileiro também trouxe à tona discussões éticas e institucionais. Diversos clubes passaram a enfrentar críticas quanto à influência dessas empresas em suas estruturas. Especialistas alertam para o perigo de escândalos de manipulação de resultados, conhecidos como match-fixing, que já atingiram atletas das Séries B e C nos últimos anos.

Embora não haja comprovação de envolvimento direto de clubes da elite nesses casos, a imagem do futebol como um todo sofre. Torcedores e entidades de defesa da infância questionam a presença maciça de marcas de apostas em camisas infantis, estádios e programas de TV. O Santos, por exemplo, recebeu pressão de conselheiros e torcedores para rever seus contratos com casas de apostas após denúncias de irregularidades na base do clube.

Outro problema diz respeito ao vínculo psicológico que o marketing das bettings pode gerar, especialmente entre jovens torcedores. A exposição constante pode naturalizar o jogo como prática cotidiana, o que aumenta o risco de vício e endividamento precoce. Diante disso, entidades como o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) passaram a exigir mais transparência e controle na publicidade veiculada pelos clubes.

Com a regulamentação sancionada pelo Governo Federal em 2023, empresas de apostas passaram a operar legalmente no Brasil, desde que cumpram requisitos de sede nacional, impostos e controle de integridade. Apesar disso, ainda há lacunas regulatórias. A fiscalização fica a cargo da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, que intensificou auditorias em 2024 e 2025.

A CBF também estabeleceu um código de compliance para os clubes, exigindo cláusulas de integridade em contratos com bettings. Porém, o cumprimento dessas normas ainda depende da boa vontade dos dirigentes, já que não há penalidades claras para quem descumpre. Isso tem levado alguns clubes a adotarem medidas internas de auto-regulação, como auditorias independentes e bloqueio de apostas em determinadas partidas.

No entanto, a falta de uma agência reguladora independente — como existe no Reino Unido — ainda fragiliza o sistema. A presença do Ministério da Fazenda como fiscalizador e beneficiário dos impostos recolhidos cria um possível conflito de interesses, o que demanda maior discussão pública sobre os limites éticos da relação entre Estado, clubes e empresas do setor.

E no exterior?

A experiência internacional mostra caminhos distintos. A Inglaterra, por exemplo, anunciou que proibirá, a partir da temporada 2026/2027, o patrocínio de bettings nas camisas de clubes da Premier League, embora permita publicidade em outros espaços. Já na Espanha, as restrições são ainda mais duras desde 2021, quando o governo baniu qualquer propaganda de apostas esportivas em clubes.

Nos Estados Unidos, onde o mercado de apostas é altamente controlado por estado, a NFL e a NBA impõem limites severos sobre os tipos de ativação e publicidade permitidas. Essas medidas buscam preservar a credibilidade das competições e reduzir riscos de influência externa sobre os resultados esportivos.

O Brasil, por ora, segue um modelo mais liberal, mas já discute medidas futuras. Em Brasília, há projetos de lei que propõem limitar horários de veiculação de propaganda de apostas e criar selos de certificação para empresas que adotem boas práticas de integridade e responsabilidade social.

Conclusão – Lucro de curto prazo, desafio de longo prazo

O avanço das apostas esportivas como fonte de receita para os clubes da Série A é inegável. No entanto, a dependência crescente desse setor exige cautela. Sustentar o futebol brasileiro com base em uma única indústria pode ser arriscado — especialmente diante de mudanças regulatórias ou escândalos que possam abalar sua credibilidade.

Se, por um lado, as bettings representam um alívio financeiro imediato, por outro, lançam os clubes em um terreno instável, onde ética, legalidade e sustentabilidade caminham em constante tensão. O verdadeiro desafio será equilibrar lucro e responsabilidade, garantindo que o jogo continue sendo um espetáculo — e não apenas uma aposta.

Luiz Fernando

Licenciado em Letras, apaixonado por esportes, música e cultura num geral.

Licenciado em Letras, apaixonado por esportes, música e cultura num geral.