
- A MP do setor elétrico pode elevar em até 20% o custo da energia para as indústrias.
- Picanha, pão, leite e cerveja estão entre os produtos que podem ficar mais caros.
- Especialistas alertam que a medida, se não for ajustada, pode comprometer a produtividade e aumentar a inflação.
A Medida Provisória (MP) da reforma do setor elétrico, apresentada pelo governo Lula, promete gratuidade ou desconto na conta de luz para até 60 milhões de brasileiros. No entanto, essa política social tem uma contrapartida: o custo da energia para a indústria pode subir até 20%, segundo a Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres).
Ao beneficiar famílias de baixa renda, o governo impõe ao setor produtivo a responsabilidade de bancar o subsídio. Com isso, indústrias já pressionadas pela alta carga tributária e pelo câmbio instável devem enfrentar mais um desafio. A consequência direta pode ser o aumento no preço de alimentos e produtos básicos.
Quem paga a conta da gratuidade
A MP define que famílias com consumo mensal de até 80 kWh terão isenção total na conta de luz. Já aquelas que utilizam até 120 kWh por mês e têm renda per capita de até um salário mínimo também ficam isentas da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Isso reduz a base de arrecadação, mas não elimina a necessidade de financiamento do fundo.
Como consequência, as empresas do mercado livre — principalmente as indústrias — assumem o pagamento proporcional desses valores. A conta de energia para esse segmento, portanto, tende a aumentar. Além disso, a nova regra amplia o rateio dos custos operacionais das usinas nucleares de Angra 1 e 2. Antes restrito aos consumidores cativos, esse encargo agora atinge também os consumidores livres.
Outra mudança importante é a retirada do desconto de 50% sobre a tarifa-fio. Esse benefício era concedido a grandes empresas que optavam por fontes renováveis de energia, como eólica, solar ou pequenas centrais hidrelétricas. A revogação dessa política representa perda de incentivo à sustentabilidade e incremento nos custos operacionais.
Impacto direto na produção e nos preços
O aumento previsto nas contas industriais afeta diretamente o preço de produtos essenciais. De acordo com a Abrace, a energia elétrica representa 27% do custo da picanha e 14% da cerveja. Já em itens como pão, leite e arroz, a energia também influencia consideravelmente os preços finais.
Se o custo da indústria sobe, a tendência natural é o repasse desses valores ao consumidor. Mesmo que o governo tente conter a inflação, os efeitos colaterais das medidas podem ir na direção oposta. Nesse cenário, o consumidor residencial pode economizar na conta de luz, mas acabará pagando mais no supermercado.
Além disso, o impacto não será homogêneo. Empresas localizadas em regiões mais afastadas ou com contratos menos vantajosos podem enfrentar aumentos superiores à média. Com isso, a competitividade entre setores e regiões também pode ser afetada.
Dilema entre justiça social e produtividade
Não há dúvidas de que garantir luz para quem não pode pagar é uma medida louvável. No entanto, quando essa conta recai sobre um setor produtivo já fragilizado, o resultado pode ser contraproducente. Em vez de estimular a economia, a MP pode aumentar a pressão inflacionária e comprometer o crescimento.
Especialistas sugerem alternativas para equilibrar a política social com a sustentabilidade econômica. Entre elas, está a revisão de subsídios cruzados, o redirecionamento de verbas públicas ineficientes e uma política de transição energética mais estável. A Câmara dos Deputados e o Senado ainda vão analisar a MP, o que abre espaço para ajustes que preservem os avanços sociais sem sacrificar a produção.
A Abrace já indicou que pretende levar essas preocupações ao Congresso. O objetivo é sensibilizar parlamentares sobre os impactos do texto atual e propor soluções que preservem tanto o acesso à energia quanto a competitividade do setor industrial.